sábado, 2 de março de 2013

"Nunca vi tantos leões liderados por cordeiros"

Em 2008 eu terminava meu ensino médio. Mórrison, meu professor de filosofia, me entregou, alguns meses depois um pacote, um presente. Nele continham 2 cartas, e vários DVDs de filmes, entre eles o filme Leões e Cordeiros. Lembro-me que na carta direcionada a mim ele comentou que havia alguém muito parecido comigo no filme. Não achei o personagem do aluno, o Todd, parecido comigo... Afinal eu ainda me envolvia em todos os debates, lia todos os livros sugeridos e sim, eu me importava e achava que podia fazer a diferença. Só que meu professor me conhecia e sabia o que viria nos 5 anos seguintes.

Em algum momento todos nós paramos de nos importar. Começamos a repetir que não faremos diferença alguma, que os políticos sempre acabarão fazendo negociatas, que as ações humanitárias nunca alcançarão total sucesso, que o melhor que podemos fazer é simplesmente pagar nossos impostos, trabalhar dignamente, criar bem os filhos e viver o resto das nossas vidas fazendo o que é certo. Em algum momento nós abandonamos nossos sonhos de mudança, deixamos de acreditar que podemos mudar o mundo, nos aconchegamos em nossas vidas e chamamos tudo isso de 'ilusões da juventude'.

Mórrison me marcou desde o primeiro dia de aula. Posso descrever cada detalhe. Primeira aula de filosofia e falamos de moral. Não foi a primeira aula de filosofia da minha vida, lembro-me do meu primeiro professor também, mas passamos pouco tempo juntos. Estava na sala do primeiro ano do Colégio Pedro Adami, da sala de aula eu podia ver algumas das montanhas. Mórrison diz:
- Imagine que tem alguém vindo daquela montanha. Algum de vocês dá um tiro nesse alguém. Isso seria certo? Você provavelmente seria preso e julgado como alguém mau, não é!? Imagine agora que toda cidade está em guerra, que todos andam com armas, e que estão todos preparados para um ataque. Você dá um tiro em alguém que aparece naquela montanha... Você provavelmente será aplaudido, porque pode ter matado um inimigo, afinal, quem se espreitaria numa montanha além de um inimigo?

Pode não ter sido exatamente assim, mas me lembro do momento que mudou completamente todo curso da minha história. O professor escreve a letra grega correspondente a palavra filosofia no quadro e começa a falar sobre o que é filosofia, ele faz isso todas as aulas nos próximos 3 anos. Ele nos diz que filosofia não é simplesmente ensinar um método, ou uma história ou falar de pessoas, mas ensinar como pensar, refletir, enquanto se conta essa história. Mas ele não fez apenas isso, ele moldou meu destino... Pra sempre.

O filme Leões e Cordeiros nos traz uma série de reflexões sobre política, imprensa/jornalismo, fazer a diferença, mas principalmente sobre quem escolhemos ser. Um professor e um aluno conversando sobre a expectativa desse professor sobre esse aluno. Sobre o potencial que aquele aluno tinha aos olhos do mestre. Um aluno claramente brilhante, acima da média... Mas não pelas suas notas, mas pelos seus questionamentos.

Qual foi a última vez que você questionou alguma coisa? Qual foi a última vez que você simplesmente reproduziu o senso comum? Qual foi a última vez que você procurou uma imprensa alternativa, não patrocinada por alguém, para obter informação? Qual foi a última vez que você disse ou concordou com as frases "o mundo não vai mudar...", "políticos são assim mesmo...", "não faz diferença..."?


- O que é que mudou? 
- Os estudantes sentados à minha frente. Você.
- Porque somos mais perspicazes, porque não queremos morrer por estes merdas. 
- Quer distanciar-se o mais possível do mundo real. 'Estes merdas' quantas vezes vai repetir essa palavra? Eles contam com a tua apatia, contam com a tua ignorância deliberada. Planejam estratégias em torno disso. Calculam onde podem chegar com isso.
 (Trecho do Filme, discussão do Professor com o Aluno)


Quem mais ganha com nossa apatia, nosso egoísmo, nossa ânsia por "apenas viver nossas vidas"? Todos os opressores, exploradores e manipuladores que estão no poder. Seja atrás de uma mesa com um cargo político, seja atrás de uma mesa numa empresa de bens de consumo. Eles esperam isso de você. Desejam que você ache que sua cidadania termine no voto, esperam que você acredite que é só um comercial que não influencia, que é só mais uma coisa que você precisa comprar, que não vai adiantar você votar em outra pessoa já que o corrupto já comprou todo mundo. 


Eu sou feita das expectativas que professores tiveram de mim. Nunca me senti pressionada por elas, muito pelo contrário, elas me fizeram acreditar em mim mesma. Toda vez que eu começava a me tornar e me sentir medíocre eu lia as cartas/recados de provas do Mórrison e do Isac. Eu acreditei nas palavras deles, jamais desisti de ser, não idealista, mas de ser aquela que acredita. Eles me fizeram acreditar... Em mim. "Um professor não é simplesmente um mestre, ele é um vendedor. Ele vende você, pra você." (Trecho do filme) 


Em algum momento, todos nós nos acomodamos. Talvez seja aquele escândalo financeiro, talvez o fato de não ter cursado uma faculdade, talvez o excesso de trabalho pra sustentar a vida que escolhemos, talvez a nova classe média, casar ou ter um filho, o discurso de um pastor, ou simplesmente o cansaço de ver a corrupção. Nos cansamos e nos tornamos apáticos. Desistimos e nos tornamos indiferentes. Uma pessoa indiferente pode ser mesmo indiferente, mas fomos contaminados por uma indiferença coletiva, a nível global. 


Nos preocupamos com a fome na África, mas não nos perguntamos sequer uma vez se o dízimo de um mês de todo o Brasil não poderia resolver o problema. Reclamamos que todos os políticos se corrompem, mas quem se lembra pra quem votou pra senador, ou qual foi o projeto relevante proposto pelo seu vereador no último mandato? Queremos que nossos filhos tenham noções de ética e igualdade e expomos as crianças a comerciais preconceituosos, formadores de esteriótipos e falamos que não tem nada demais. 


Mas eu sou apenas um vendedor. Eu sou apenas uma dona de casa. Eu sou apenas um petroleiro. Eu sou apenas um auxiliar de escritório. Eu sou apenas um pedreiro. Eu sou apenas uma professora. Sou apenas uma universitária. Sou apenas... um eleitor, uma amiga, um pai, uma trabalhadora, 1 alguém. Você é contagiante, você tem ideias, pensamentos, você tem voz. Se calar é uma decisão sua, não culpe ninguém além de você. 


Em algum momento eu acabei me acomodando, afinal são problemas, filmes, amigos, decepções, entretenimento, trabalho, tristeza, alegria, planos... Mas eu escrevo, eu trabalho em algo que acredito que represente a mudança, eu sou uma produtora de textos e opiniões, eu sou uma estudante, eu sou alguém. Eu tenho voz e não vou me calar. Meu professor talvez soubesse disso, soubesse que um dia eu desistira, que um dia assistiria novamente o filme e saberia exatamente o que ele quis dizer. Eu não acredito que eu sou especial, que tenho algo que os outros não têm, eu acredito que todos nós recebemos o sopro do inconformismo e o espírito questionador... só as vezes não os cultivamos, mas todos nós temos esse potencial...


- Só mais uma coisa. As decisões que tomar agora, amigo, só poderão ser corrigidas com anos e anos de trabalho árduo. E, nesses anos, você se tornou outra pessoa. Acontece a todos, com o tempo. As pessoas se casam, endividam-se. Mas não voltará a ser a mesma pessoa que é neste momento. E as promessas e o potencial... São muito imprevisíveis. E podem não estar mais lá. (Ultima fala do Professor no filme)


Nenhum comentário:

Postar um comentário