Em 2008 eu terminava meu ensino médio. Mórrison, meu professor de
filosofia, me entregou, alguns meses depois um pacote, um presente. Nele
continham 2 cartas, e vários DVDs de filmes, entre eles o filme Leões e
Cordeiros. Lembro-me que na carta direcionada a mim ele comentou que
havia alguém muito parecido comigo no filme. Não achei o personagem do aluno, o
Todd, parecido comigo... Afinal eu ainda me envolvia em todos os debates, lia
todos os livros sugeridos e sim, eu me importava e achava que podia
fazer a diferença. Só que meu professor me conhecia e sabia o que
viria nos 5 anos seguintes.
Em algum momento todos nós paramos de nos importar.
Começamos a repetir que não faremos diferença alguma, que os políticos sempre
acabarão fazendo negociatas, que as ações humanitárias
nunca alcançarão total sucesso, que o melhor que podemos fazer é
simplesmente pagar nossos impostos, trabalhar dignamente, criar bem os filhos e
viver o resto das nossas vidas fazendo o que é certo. Em algum momento nós
abandonamos nossos sonhos de mudança, deixamos de acreditar que podemos mudar o
mundo, nos aconchegamos em nossas vidas e chamamos tudo isso de
'ilusões da juventude'.
Mórrison me marcou desde o primeiro dia de aula. Posso descrever cada detalhe. Primeira aula de filosofia e falamos de moral. Não foi a primeira aula de filosofia da minha vida, lembro-me do meu primeiro professor também, mas passamos pouco tempo juntos. Estava na sala do primeiro ano do Colégio Pedro Adami, da sala de aula eu podia ver algumas das montanhas. Mórrison diz:
- Imagine que tem alguém vindo daquela montanha. Algum de vocês dá um
tiro nesse alguém. Isso seria certo? Você provavelmente seria preso e
julgado como alguém mau, não é!? Imagine agora que toda cidade está em
guerra, que todos andam com armas, e que estão todos preparados para um ataque.
Você dá um tiro em alguém que aparece naquela montanha... Você
provavelmente será aplaudido, porque pode ter matado um inimigo, afinal,
quem se espreitaria numa montanha além de um inimigo?
Pode não ter sido exatamente assim, mas me lembro do momento que mudou
completamente todo curso da minha história. O professor escreve a
letra grega correspondente a palavra filosofia no quadro e começa a falar sobre
o que é filosofia, ele faz isso todas as aulas nos próximos 3 anos. Ele
nos diz que filosofia não é simplesmente ensinar um método, ou uma história
ou falar de pessoas, mas ensinar como pensar, refletir, enquanto se conta essa
história. Mas ele não fez apenas isso, ele moldou meu destino... Pra sempre.
O filme Leões e Cordeiros nos traz uma série de reflexões sobre
política, imprensa/jornalismo, fazer a diferença, mas principalmente sobre quem
escolhemos ser. Um professor e um aluno conversando sobre a
expectativa desse professor sobre esse aluno. Sobre o potencial que aquele
aluno tinha aos olhos do mestre. Um aluno claramente brilhante, acima da
média... Mas não pelas suas notas, mas pelos seus questionamentos.
Qual foi a última vez que você questionou alguma coisa? Qual foi
a última vez que você simplesmente reproduziu o senso comum? Qual foi
a última vez que você procurou uma imprensa alternativa, não patrocinada por
alguém, para obter informação? Qual foi a última vez que você disse ou
concordou com as frases "o mundo não vai mudar...", "políticos
são assim mesmo...", "não faz diferença..."?
- O que é que mudou?
- Os estudantes sentados à minha frente. Você.
- Porque somos mais perspicazes, porque não queremos morrer por estes
merdas.
- Quer distanciar-se o mais possível do mundo real. 'Estes merdas'
quantas vezes vai repetir essa palavra? Eles contam com a tua apatia,
contam com a tua ignorância deliberada. Planejam estratégias em torno disso.
Calculam onde podem chegar com isso.
(Trecho do Filme, discussão do Professor com o Aluno)
Quem mais ganha com nossa apatia, nosso egoísmo, nossa ânsia por
"apenas viver nossas vidas"? Todos os opressores,
exploradores e manipuladores que estão no poder. Seja atrás de uma mesa com um
cargo político, seja atrás de uma mesa numa empresa de bens de consumo. Eles
esperam isso de você. Desejam que você ache que sua cidadania termine
no voto, esperam que você acredite que é só um comercial que não
influencia, que é só mais uma coisa que você precisa comprar, que não
vai adiantar você votar em outra pessoa já que o corrupto já comprou
todo mundo.
Eu sou feita das expectativas que professores tiveram de mim.
Nunca me senti pressionada por elas, muito pelo contrário, elas me fizeram acreditar
em mim mesma. Toda vez que eu começava a me tornar e me
sentir medíocre eu lia as cartas/recados de provas do Mórrison e do
Isac. Eu acreditei nas palavras deles, jamais desisti de ser, não idealista,
mas de ser aquela que acredita. Eles me fizeram acreditar... Em mim. "Um
professor não é simplesmente um mestre, ele é um vendedor. Ele vende você, pra
você." (Trecho do filme)
Em algum momento, todos nós nos acomodamos. Talvez seja aquele
escândalo financeiro, talvez o fato de não ter cursado uma faculdade,
talvez o excesso de trabalho pra sustentar a vida que escolhemos, talvez a
nova classe média, casar ou ter um filho, o discurso de um pastor,
ou simplesmente o cansaço de ver a corrupção. Nos cansamos e nos
tornamos apáticos. Desistimos e nos tornamos indiferentes. Uma pessoa
indiferente pode ser mesmo indiferente, mas fomos contaminados por uma
indiferença coletiva, a nível global.
Nos preocupamos com a fome na África, mas não nos
perguntamos sequer uma vez se o dízimo de um mês de todo o Brasil não
poderia resolver o problema. Reclamamos que todos os políticos se
corrompem, mas quem se lembra pra quem votou pra senador, ou qual foi o
projeto relevante proposto pelo seu vereador no último mandato? Queremos que
nossos filhos tenham noções de ética e igualdade e expomos as
crianças a comerciais preconceituosos, formadores de esteriótipos e falamos que não
tem nada demais.
Mas eu sou apenas um vendedor. Eu sou apenas uma dona de casa.
Eu sou apenas um petroleiro. Eu sou apenas um auxiliar de escritório. Eu sou
apenas um pedreiro. Eu sou apenas uma professora. Sou apenas
uma universitária. Sou apenas... um eleitor, uma amiga, um pai, uma
trabalhadora, 1 alguém. Você é contagiante, você tem ideias,
pensamentos, você tem voz. Se calar é uma decisão sua, não
culpe ninguém além de você.
Em algum momento eu acabei me acomodando, afinal são problemas,
filmes, amigos, decepções, entretenimento, trabalho, tristeza,
alegria, planos... Mas eu escrevo, eu trabalho em algo que
acredito que represente a mudança, eu sou uma produtora de textos e opiniões,
eu sou uma estudante, eu sou alguém. Eu tenho voz e não vou me calar.
Meu professor talvez soubesse disso, soubesse que um dia eu desistira, que um
dia assistiria novamente o filme e saberia exatamente o que ele quis dizer. Eu
não acredito que eu sou especial, que tenho algo que os outros não têm, eu
acredito que todos nós recebemos o sopro do inconformismo e o
espírito questionador... só as vezes não os cultivamos, mas todos nós temos
esse potencial...
- Só mais uma coisa. As decisões que
tomar agora, amigo, só poderão ser corrigidas com anos e anos de trabalho
árduo. E, nesses anos, você se tornou outra pessoa. Acontece a todos, com o
tempo. As pessoas se casam, endividam-se. Mas não voltará a ser a mesma pessoa
que é neste momento. E as promessas e o potencial... São muito imprevisíveis. E
podem não estar mais lá. (Ultima
fala do Professor no filme)
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