quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A via crucis da igreja e nós


Passei por fases em relação a igreja e hoje vejo isso com mais clareza. Quando digo igreja, digo como um todo, já que eu mesma tenho o hábito de dividi-la em partes, naquela velha mania que todo amante tem de tentar justificar todos erros do alvo do seu amor, por medo de que os defeitos destruam sua admiração. 

Senti com a igreja acho que o mesmo que os discípulos devem ter sentido com Cristo em relação a crucificação na vocação que ele tinha que cumprir. Lembrando que a morte da igreja também é vocação da mesma.
Fase 1 - Está tudo bem como está. 
Pra que morrer? Pra que sacrifício?
O ministério está prosperando... Aclamados pelo povo, perseguidos sim, mas realizamos milagres! Pessoas se entregam a Cristo! Ah, Deus fala! Pode ter pastor que rouba, mas agora somos uma porcentagem significativa da população! Não fale que o destino da igreja é a Cruz, o nosso destino é pisar os inimigos e governar a terra!!
Ah, como foi boa essa época! E quanta gente insiste em não sair dela! Foi boa porque era simples, porque não requeria trabalho, labuta, conflito. Mas é triste permanecer aqui, pois a via crucis é o destino e parar é ter uma fé débil.
Além disso, vamos lembrar que quando Cristo recebeu uma sugestão parecida, disse que não poderia vir de ninguém senão do próprio diabo.

Fase 2 - Negação e fuga
Essa fase é quando o negocio aperta, somos postos contra a parede, o circo tá pegando fogo! Sentimos vergonha de fazer parte e até medo mesmo! Foi o que houve não só com Pedro, mas com todos os discípulos, que no susto, fugiram.

Vivemos, nessa fase, usando eufemismos para justificar tanta podridão no meio evangélico, dizer que 'eles' não são igreja, que aquela igreja não representa você, que nós não temos culpa, ou que eu mesma disse no começo, dividir os conceitos de igreja que são nada menos que meios de negação de que está chegando a hora da Cruz.

Fase 3 - A morte
Veja, aqui preciso destacar que a igreja, nessa minha comparação, não é Cristo, a igreja necessita da Cruz, pois ela é feita de gente e gente que segue a Cristo. Bem, se Ele disse que quem vai após ele deve tomar sua Cruz e negar seus próprios interesses e estes são os que formam a igreja, logo este chamado é para a igreja. 

Na morte de Cruz, finalmente aceitamos que a igreja está morta. Há aqueles que vêem de perto, que são fortes o suficiente pra assistir sua decadência de perto. Por que convenhamos que mesmo que a fé da mulherada que acompanhou Jesus até a Cruz era forte, mas não tao forte como o estômago delas pra ver o filho, mestre, amigo, Deus e Salvador morto, vergonhosamente. 

Hoje eu entendo quem não fica na igreja pra ver isso, entendo mesmo. E depois de ter provado quão nojenta a igreja conseguiu se tornar na própria pele, me rasgando com todos os espinhos que tinha, penso que melhores estão os que não assistiram sua morte. 

Fase 4 - O sábado
Eita Deus! Esse é o mais doloroso e difícil. É o meio do caminho, e sabe a pedra de Drummond? Ela está lá, no meio do caminho e cobrindo a caverna do túmulo. Pra muitos ela é o fim. O sábado é o fim, não há mais nada além do nada. Não tem mais volta, a dor lhes tirou a memória. 
O sábado é o esquecimento do já e o grito do ainda não. 
O sábado é o longo dia de espera da ressurreição. É o dia da dúvida, mas é o dia da fé, pois a fé que não nasce da dúvida angustiante não produzirá a confiança total.
A maioria dos sobreviventes de igrejas, que passam pela morte, pela vergonha e são machucados pelos espinhos ou preferem não assistir e se afastam do circo dos horrores que alguns ainda chamam de casa de Deus. A maioria de nós, para aqui, nunca sai da tristeza do sábado.
É medo sabe.... Medo de só ter voltado pra infantil e cega 'fase 1', medo de voltar a aceitar cabrestos que nos direcionam sutilmente só para as poucas partes limpas que restam ao invés de nos convidar para uma faxina. É medo de ser enganado e machucado de novo. 
Como eu disse, a dor nos tira a memória. 

Fase 5 - Domingo de manhã
Ô esperança! Aqui ela chega e serve até café na cama pra preparar pro dia que vem! É a hora que mesmo sem memória, a gente passa no túmulo e o anjo fala aquela frase, aquela que pra mim ganha de todas! 
PORQUE VOCÊS PROCURAM ENTRE OS MORTOS QUEM ESTÁ VIVO? 
Dá vontade de gritar, chorar, sorrir, pular e sei lá o que quando penso nessa frase!!!! Tem gente que experimenta isso. Na verdade há anos já tem gente que chegou e passou dessa fase! 
É a hora que o mistério do ministério sai do casulo e vira aquela borboleta azul que pousa em você e ainda te deixa tirar uma foto! 
Não procure mais nos mortos quem está vivo... Não fica mais olhando entre os moribundos e fétidos procurando achar vida ali... É perda de tempo, a igreja já ressuscitou e já tá aí, andando pelos jardins, conversando com as pessoas, compartilhando um peixinho na praia, aparecendo de surpresa nas casas... As vezes a gente está andando tão triste pelo caminho, que nem reconhece que ela está bem ali com a gente! Sortudos são os que a enxergam! Mas a esperança ainda não é o fim! 

Fase 6 - A vida
É algo marcado por ânsia de movimento. É como os discípulos devem ter se sentido depois da breve subida de Jesus... Vontade de tornar aquilo público, compartilhar a felicidade, mostrar pra todo mundo o presente da graça, dar pra todo mundo o presente da graça: Viver. É uma vontade arrebatadora de viver. Algo como quando tínhamos acabado de conhecer o Evangelho, só que maduro, sem ingenuidade e agora sim, disposto a tudo. 

Fase 7 - Atos
Cheios do Espírito, compartilhando o pão e o ensino, crescendo e se vendo todo dia, se amando, se cuidando, onde há tarefas dividas, não hierarquias. Aqui não há perfeição, sempre tem algum problema, dificuldade a ser vencida, mentiras a serem desmascaradas, pecados assustadores, pessoas ensinando doutrinas falsas, mas não há decepção, porque não estamos na fase 1, não há ingenuidade, não há expectativas irreais.
Há algo chamado Constância. Coisa que acho inacreditável, porque há cristãos maduros, vivendo em comunidade, que experimentam isso e eu acho humanamente impossível! Mas já vi, toquei nos furos das mãos e tudo! 

Brincadeiras a parte, sei que é coisa do Espírito Santo, por que ser humano, minha gente, quer mesmo é que a via crucis nunca sequer comece. Quer o conforto da ilusão, a maciez da grama que cobre o sepulcro caiado, com um bom ar do lado pra espantar o fedor. 

Só que eu, e sei que muitos, querem é mais isso mesmo, passar fase por fase, crescer, não se deixar vencer por fase alguma. Fazer do reino não só uma esperança cega num futuro que só serve pra justificar meu comodismo e erros de agora, mas fazer do reino uma realidade aqui e agora, tateando ele em cada ser, respirando ele em todo lugar, transbordando dele em cada palavra. 

:)

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